Existem várias formas de se expressar num relacionamento. Dizer algo para revelar um desejo não se limita à palavra pronunciada. Dizemos “sim” e dizemos “não”, dizemos “quero” e “não quero” de várias maneiras e, principalmente, com atitudes. Expressar-se nem sempre é fácil e, muitas vezes, manifestamos nossa vontade através de comportamentos e atitudes que estão falando para o outro o que é difícil de ser dito de forma oralizada.
Passamos a observar na prática clínica que muitos casais entram em sérios conflitos porque não sabem ou fazem a opção de não conversarem e, portanto, não tornam claros os seus desejos.
A declaração de amor que é intensa entre os novos casais, que movidos pelo fogo da paixão não economizam palavras para revelarem seus sentimentos, aos poucos vai mudando a forma de ser apresentada. Pois, com o tempo, a dinâmica das relações muda, assim como os desejam mudam. Os gestos tornam-se mensageiros do afeto e o amor se revela em atitudes. A decodificação do sentimento é própria do coração, contudo, nem sempre o coração é um bom tradutor das palavras. Por vezes, se pensa estar amando e o outro não consegue sentir-se amado. Essa é a difícil arte de amar e de se sentir amado. Ruídos que interferem decisivamente no destino da relação quando não são cuidados a tempo.
Mas, em nossa prática de escuta, percebemos que muitos casais praticam o que estamos chamando de assédio conjugal, que se dá quando um dos cônjuges comunica-se com o outro por meio do desprezo, da falta de atenção, da falta de interesse, da desconsideração à vontade do outro e até a imposição de regras e cobranças que vão além do suportável, ou seja, além do limite do outro. Essa prática torna insustentável a convivência de modo que o cônjuge assediado, sufocado pela situação, toma a atitude de assumir a falência da relação. A respeito disso uma pergunta se sobressai: seria compreensível que alguém insatisfeito com o casamento, ao invés de ter a coragem de decidir se separar, fizesse com que o outro viesse a pedir e, assim, responsabilizasse-o pelo ato da separação? Por que não pede logo a separação ao invés de tornar insuportável a relação até chegar a ponto de o outro dizer: “eu não aguento mais!”?
Vamos explicar esse fenômeno. Todas as vezes que escutamos um casal em crise, ouvimos sempre a preocupação de um transferir para o outro a culpa que gerou a dificuldade entre ambos. Um diz: “Nós estamos em crise porque ele (ou ela) fez isso”. O outro já diz: “Mas aconteceu isso porque você fez aquilo antes”. Isso se torna um círculo vicioso e será sempre impossível detectar a origem da crise. Geralmente, torna-se um jogo de "pingue-pongue" entre o casal, onde um joga a "bola" da culpa para o outro. Para resumir, ninguém chega a qualquer lugar de concordância. O fato é que ninguém quer assumir a responsabilidade pelo resultado da separação. Tudo isso parece compreensível porque a sociedade ainda indaga os separados sobre o causador do evento: “Por que você se separou?” e isso soa como: “De quem foi a culpa?”.
Embora vivamos tempos diferentes dos de outrora, a carga de cobrança familiar e social e até de preconceito com quem é o causador da separação ainda é motivo de queixas e sofrimentos revelados constantemente no espaço terapêutico. Assumir perante um filho, por sua decisão, que está se separando do pai ou mãe dele, ou dizer para os amigos comuns, pais, familiares e conhecidos sobre a dissolução do vínculo conjugal não é tarefa das mais fáceis. Considere-se, igualmente, que a autopunição por responsabilizar-se pelo “fracasso” conjugal é uma atitude das mais difíceis. O medo da consequência e do julgamento das pessoas, bem como o receio do desconhecido advindo pela separação, pode interferir num estado de preservação formal da relação até que se crie para o outro um universo avesso e insuportável de modo que o outro tome a decisão desejada por uma das partes anteriormente, mas preservada sob sigilo.
Muitas pessoas se retraem no desejo que trazem no seu coração de se separarem por medo do que possa vir como julgamentos ou incertezas sobre o futuro, ou seja, de que o fim do relacionamento amoroso possa ser pior do que o sofrimento vivido na relação. Contudo, por não estarem satisfeitas com a relação, tornam insuportável a convivência e, inconsciente ou conscientemente, levam o outro a “pedir para sair”.
O trabalho terapêutico bem fundamentado é aquele que leva cada pessoa a ter a autonomia de conhecer a verdade sobre si e sobre o seu relacionamento para que essa mesma pessoa possa ter compreensão do que pode ser feito na tentativa de resgatar a sua relação ou, de uma forma menos traumática, ajudar no processo de separação, evitando as consequências danosas do que aqui estamos chamando de assédio conjugal.
Por: Karina Simões @Karisimoes e Fabiano Moura de Moura @Fabianomdemoura