Culturalmente tem se falado que a figura do macho se vincula à proteção e segurança de sua prole, enquanto a figura da fêmea volta-se ao cuidado, notadamente, da espécie humana. A teoria evolucionista já fabricou inúmeros trabalhos nesse sentido. A antropologia faz uma análise dos papéis do homem e da mulher no tempo e, por seu turno, a psicologia contribui com sua leitura para a compreensão dos comportamentos humanos.
Existem estudos que pretendem uma maior compreensão sobre o término das relações conjugais diante do nascimento de um filho com deficiência. Parece ser inegável que o nível de estresse dos cuidadores sofre alteração conforme a ocorrência de uma situação de deficiência. Tornou-se visível que em situações de dificuldades o homem tende a esquivar-se da relação, diferentemente da mulher que tende a dar continuidade à conjugalidade. Lembra o filósofo Luiz Felipe Pondé, em recente comentário na TV Cultura, que em situação de prisão, por exemplo, as mulheres continuam a visitar seus companheiros fazendo filas de espera, e tal prática não acontece quando a mulher é a prisioneira e o companheiro não a visita, abandonando-a muitas vezes. Ou seja, Pondé nos lembra de que historicamente o gênero masculino teria uma dificuldade maior do que a mulher em lidar com a adversidade. Outros estudos evidenciam o abandono do lar pelo varão em situações de dificuldades, especificamente em caso de deficiência. Como se vê, a regra do abandono do lar por parte do homem que tem um filho deficiente parece estar se confirmando também com a microcefalia, de acordo com a reportagem recentemente exibida na TV mencionada. O que nos leva ao questionamento: por quê?
A dinâmica de um casal que tem um deficiente sofre profunda modificação. Os hábitos, os comportamentos e práticas passam a ter novos repertórios. A deficiência de um ente querido revela-nos certa fragilidade pela incapacidade resultante da própria limitação decorrente da anomalia. Embora necessite de maior estudo, levanto algumas hipóteses para uma compreensão do fenômeno: seria a exposição dessa fragilidade que leva o homem a abandonar o lar ou as privações de convívio social que tornam insuportável para o homem a sua permanência em seu casamento? Será que os homens sentem-se ameaçados ou trocados por sua esposa que dispensará mais tempo e dedicação ao seu filho? Sabe-se que o cuidar é papel presente no imaginário masculino diante de uma realidade cultural e, no dizer psicanalítico, uma busca de todo homem para o reencontro com sua mãe, teoricamente, cuidadora por excelência.
Em recentes pesquisas, aventou-se a possibilidade do contágio e contaminação do vírus da zica pelo sangue e saliva. Seria esta, também, uma hipótese para fundamentar o abandono masculino do lar, ou seja, estaria o homem com medo de sofrer algum prejuízo mental com a convivência com a mulher diante das poucas ou quase nenhuma informação sobre a matéria?
A discussão e o debate merecem maior atenção para que este fenômeno social possa ter seus danos minimizados. Com efeito, haverá grande sofrimento diante do que se escreve acerca do abandono no inconsciente das partes envolvidas. Para o deficiente, é muito grande a responsabilidade de sentir-se causador da separação. Para a genitora, além do desafio de criar sozinha seu filho, há o sentimento de impotência e culpa de não ser capaz de atender aos desejos de seu companheiro. Para o homem, a negação de seu dever “moral” e até social de não ter se responsabilizado pelo melhor desenvolvimento de seu filho deficiente e a falta de cumplicidade com sua companheira, a quem deixa todo o dever e compromisso com a atenção ao filho em comum.
A epidemia de microcefalia traz mais este fenômeno para o nosso meio. Mantendo-se esta estatística já validada em outros casos de deficiência, haveremos de ter um novo desafio: como evitar a ocorrência dessas separações ou como minimizar seus efeitos? Não seria o caso de se pensar em assistência psicológica gratuita na rede pública de saúde para todas as famílias em que há o registro de microcefalia decorrente do vírus da zica, e até de outros tipos de deficiências, independente de mosquitos em nossas vidas? Como garantir condições diferenciadas de assistência à mãe de deficientes, inclusive com relação à pensão alimentícia, para que uma melhor estrutura favoreça melhores condições de vida ao deficiente e à sua genitora que sozinha criará seu filho?
Ficam aqui os questionamentos como provocação ao debate. De minha parte, fica o estarrecimento diante do que um mosquito tem causado na vida de tantas pessoas mundialmente. Onde chegamos: agora, um mosquito além de definir o tamanho do cérebro, também estabelece a dimensão de um “coração”. Pelo que se vê o mosquito fez com que muita gente deixe de pensar e, o pior, deixe de amar.
Por: Karina Simões
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Texto Disponível em minha coluna UOL/mulher: http://www2.uol.com.br/vyaestelar/mulher.htm